terça-feira, maio 29, 2007

Um dia...quero me sentir assim

Eu gostava de conseguir escrever algo que fosse definitivo na clareza e na dimensão do que quero contar.
Que fosse um texto que conseguisse esse impossível de explicar o que é este amor maior.
Nos últimos tempos dou comigo a ver os meus filhos a brincar, e sou surpreendido com a forma como eles param por um instante a brincadeira, olham para mim e sorriem. Sorriem de uma maneira apaziguadora, a dizer-me com o olhar tudo aquilo que eu mais preciso e que não é comparavel com mais nada. Param, olham para mim, sorriem e eu fico em paz. Não falta nada. Depois voltam à brincadeira, alheios do efeito esmagador do seu sorriso em mim.
Quando os vejo de mochila na escola, todos contentes, a correr para mim, de braços abertos. Quando vamos no carro e eu estico o braço para o banco de trás e há uma mãozinha que me agarra, sempre.
Quando os chamo e eles me dizem, curiosos e contentes, “o que foi papá?”.
Quando brincamos à apanhada e eles sentem que eu estou mesmo mesmo a apanha-los e riem de excitação e alegria. Quando eu lhes faço cocegas e a alegria deles é a maior do mundo inteiro. Quando, sem pedir nem razão imediata, se aproximam de mim e dão um “abracinho muito grande”.
Nunca conseguirei explicar o que é esse amor, de onde vem, como consegue ter tão grande, tão completo, tão incondicional, tão eterno, nem explicar porque sei tão bem que nasci, mais do que tudo o resto, para isto.
Eu queria fazer um texto que as pessoas lessem e nele percebem tudo aquilo que é impossível dizer porque não há palavras que cheguem. E se as houver, não terei talento sequer para as escolher, reconhecer, ordenar.
Os meus filhos são tudo o que consigo ser e são ainda mais, por eles, por serem duas crianças lindas, espertas, graças a Deus saudáveis, que nasceram com a capacidade inata de amar e o mostram sem filtros, sem reservas nenhumas daquelas que depois vamos inventando ao longo da vida. O amor que deles emana é tão natural como respirar e isso é comovente, esmagador, responsabilizador e desafiante.
Acho que sou melhor pessoa porque eles existem, acho mesmo.
Eu queria fazer um texto que não fosse patético e foleiro como este, um texto que se elevasse acima da mediania e fosse como um raio de luz, incontornável e naturalmente definitivo sobre o assunto. Uma coisa do género sei perfeitamente o que estás a dizer, e não é preciso dizermais nada.
Sei, porém, que não consigo dize-lo totalmente, só consigo tentar.
Haverá quem consiga pôr em palavras justas e que estejam totalmente à altura, aquela sensação única de estar abraçado a um filho e de sentir no abraço deles a segurança total, como se eles estivessem a dizer: nada de mal me pode acontecer, estou aqui com o papá?
Quando vejo noticias de crianças que desaparecem, que são maltratadas, ou que estão doentes, ou que qualquer outra coisa terrível...é inevitavel projectar neles. E quando o faço, morro por um instante. Porque não há trabalho, profissão, projecto, dinheiro, não há nada que seja, nem por um segundo, mais importante nem decisivo na minha vida.
Eu queria escrever um texto sobre isto. Todas as cartas de amor são ridículas, e esta é-o, claramente. Que se lixe. Desde que sou bombardeado todos os dias com notícias horríveis envolvendo crianças, tenho mais vontade de escrever este texto sobre isto. Não é o texto que eu sonhei, mas fala dos filhos que tenho e que são tudo aquilo com que sempre sonhei, e mais, todos os dias.
Falta muito para ir busca-los á escola? Caraças!

Pedro Ribeiro in Os Dias Úteis

1 comentário:

Anónimo disse...

é de facto um texto muito forte muito mesmo, e quanto a este assunto dificilmente se conseguirá uma resposta clara..
deparámos-nos com coisas tão cruéis e injustas.. este mundo não é de todo o mais desejável..mas sim um mundo sem retorno possível, é sobreviver, e tentar conseguir ser-se feliz!
Um abraço para todos!!